Numa reviravolta inesperada, o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo inocenta Rofino Licuco da acusação de violência física grave contra Josina Machel. A medicusmundi lamenta e repudia a decisão tomada.
Quando um sistema de administração da justiça toma decisões que perpetuam a impunidade, a luta pela equidade de género é desafiada. A grande questão não é a moldura penal em causa, mas antes a decisão de se negar na totalidade a existência de um crime.
A medicusmundi acompanhou o caso de violência doméstica de que Josina Machel foi vítima. O caso foi julgado e definido como crime, condenando Rofino Licuco. No decorrer do processo, várias foram as provas reunidas para permitir a reconstrução do crime, o que obrigou Josina a uma situação de revitimização. Rofino Licuco foi, por fim, condenado, pois a justiça considerou existir um crime.
Não obstante o desfecho, o caso de Josina Machel mostrou claramente que a violência doméstica ultrapassa e não depende da classe social, posição sócio-económica ou política. Josina, mesmo sendo filha do Primeiro Presidente da República de Moçambique, passou pelos mesmos processos e dificuldades que as mulheres vítimas de violência passam. Por um lado, Josina provou aos demais, apesar das evidências das sequelas, que realmente foi vítima de violência: submeteu-se a processos burocráticos junto do tribunal e reuniu provas para garantir que a justiça fosse feita. Por outro lado, Josina teve (e tem) recursos para lutar em Tribunal. No entanto, para as mulheres com poucos recursos financeiros, levar o seu caso a julgamento é um processo muito pior e degradante.
Em 2019 a medicusmundi realizou o documentário WOMAN que conta a história de Josina Machel, como forma de sensibilizar as mulheres vítimas de violência doméstica a não permanecerem caladas. No documentário, fica evidente que qualquer mulher, independentemente da sua posição social, pode sofrer violência doméstica, pois esta acontece simplesmente pelo facto de a vítima se tratar de uma mulher e desta viver numa sociedade marcada pela desigualdade de género.
Para surpresa da sociedade civil, a 12 de Junho de 2020 um Acórdão da 2ª Secção Criminal de Recurso, do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, inocenta Rofino Licuco da acusação de violência física grave contra Josina Machel.
Quando um sistema de administração da justiça toma decisões que perpetuam a impunidade, a luta pela equidade de género é desafiada. A grande questão não é a moldura penal em causa, mas antes a decisão de se negar na totalidade a existência de um crime. Isso torna frágil qualquer acção e luta em prol dos direitos das mulheres, e faz a sociedade desacreditar nas instituições de justiça. E quando não se pode confiar nas instituições de justiça, a quem então devemos recorrer? O caso da Josina Machel não é um caso isolado. Várias mulheres são violentadas e até violadas sexualmente, e em seguida vêem os seus agressores serem inocentados e são obrigadas a conviver com eles. A medicusmundi repudia a impunidade, o desrespeito pela igualdade de género e a violência doméstica. Por essa razão, junta-se às demais organizações na Campanha “Justiça para a Josina” lançada pelo Fórum Mulher.
Publicado no dia 16/07/20